Chega às vitrines de Paris O Livro dos Espíritos

Imperador Napoleão III
O ano era 1857. A cidade era Paris. Para o mundo, o local significava o centro das expressões artísticas, culturais, intelectuais, filosóficas e políticas. A ala norte do Museu do Louvre estava em fase final de construção, ligando o Louvre e o Palácio das Tulherias - a residência imperial - , incluindo outras alas menores internas e pátios. O chefe de governo era o imperador Napoleão III. 


Chopin, por Dalecroix. 1838
O pianista e compositor Fryderyk Franciszek Chopin havia morrido há apenas sete anos e alguns meses. O pintor em voga era Eugène Delacroix, que a partir desse ano, começa a ser aceito pelos artistas neoclássicos. Renoir ainda nem havia entrado para a Escola de Belas Artes!


Neste ano morreria Auguste Comte, filósofo e considerado o pai da Sociologia. Karl Marx volta a escrever sobre economia política. Victor Hugo já vivia em seu exílio e Julio Verne estava prestes a se casar e sua primeira novela seria publicada apenas cinco anos depois.




Figura do jornal "L'Illustration", de 1853,
mostra um salão em Paris
A sociedade se reunia em saraus e as mesas girante ainda estavam em moda. Mesas que, aparentemente por elas mesmas, ficavam suspensas no ar, giravam, batiam os pés no chão e... falavam. Falar não é o termo correto, mas davam respostas a perguntas dos presentes mediante a apresentação do alfabeto. Quando se chegava à letra necessária para a formação da palavra, a mesa dava uma pancada no chão ou estalava. E lentamente formavam-se as palavras, frases, respostas.


Alguns jornais usavam o fato para publicar charges e piadas, como o "L'Illustration (abaixo), ou publicar artigos a esse respeito (clique sobre as imagens para ver em tamanho maior):



Fonte: WANTUIL, Zeus. As Mesas girantes e o espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2005.


E as mesas tanto bateram e giraram que atraíram a atenção de um educador, homem sério, culto, poliglota, com inúmeras obras sobre ensino já publicadas. Era o Prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail. Foi pelos convites de bons amigos - o magnetizador Sr. Fortier e o linguista Sr. Carlotti - que o Prof Rivail resolveu conhecer de perto o fenômeno e diria:
"De repente encontrava-me no meio de um fato esdrúxulo, contrário, à primeira vista, às leis da natureza, ocorrendo em presença de pessoas honradas e dignas de fé. Mas a idéia de uma mesa falante ainda não cabia em minha mente"
Esse foi o início de uma longa trajetória de pesquisa, trabalho, organização de dados. E a ideia de se publicar o material coletado, selecionado e examinado rigorosamente. 
Os Espíritos são o que são, e não podemos mudar a ordem das coisas; não sendo todos perfeitos, não aceitamos suas palavras senão sob o benefício de inventário, e não com a credulidade de crianças; julgamos, comparamos, tiramos conseqüências de nossas observações, e seus próprios erros são para nós ensinamentos, porque não renunciamos ao nosso discernimento.Essas observações se aplicam igualmente a todas as teorias científicas que os Espíritos possam dar. Seria muito cômodo não ter senão que interrogá-los para encontrar a ciência toda pronta, e para possuir os segredos da indústria: não adquiriremos a ciência senão ao preço de trabalho e de pesquisas; sua missão não é nos livrar dessa obrigação. Aliás, sabemos que não só nem todos sabem tudo, mas que há, entre eles, falsos sábios, como entre nós, que crêem saber o que não sabem, e falam daquilo que ignoram com o descaramento mais imperturbável. Um Espírito poderia dizer, pois, que é o Sol que gira e não a Terra, e sua teoria não seria mais verdadeira porque vinda de um Espírito. Que aqueles que nos supõem uma credulidade tão pueril, saibam, pois, que tomamos toda opinião manifestada por um Espírito por uma opinião individual; que não a aceitamos senão depois de tê-la submetido ao controle da lógica e dos meios de investigação que a própria ciência espírita nos fornece, meios que todos vós conheceis. (artigo escrito pelo Prof. Rivail e publicado na Revista Espírita de julho de 1859)
A 1º edição de O Livro dos Espíritos
                                                                                                          
Mas, na hora de assinar a obra, o Prof. Rivail optou por um pseudônimo, já que ele não queira que as pessoas lessem o livro devido à sua fama na área da pedagogia. Ele queria que o livro fosse procurado pelo seu conteúdo. E então ele decidiu assinar com um nome de uma vida passada - conforme informaram os mentores espirituais -, quando fora um sacerdote druida: Allan Kardec.

Em 18 de abril, chegou às livrarias de Paris a primeira edição de O Livro dos EspíritosNesta primeira edição, conforme esclarece Zeus Wantuil em seu livro As mesas girantes e o Espiritismo, a obra continha 501 perguntas e suas respectivas respostas. A primeira edição se esgotou rapidamente, e a segunda viria a ser publicada em 1860, ampliada e melhorada, chegando ao formato que conhecemos hoje, com suas 1019 perguntas. Essa segunda edição esgotou-se em quatro meses, conforme detalham Zeus Wantuil e Francisco Thiesen, no Vol.2 da obra Allan Kardec.
Palais Royal, Galerie d'Orleans, 13, endereço do livreiro E. Dentu,
que publicou a primeira edição do Livro dos Espíritos
Anos mais tarde, em 1865, Kardec falou sobre sua tarefa na reabertura das sessões da Sociedade de Paris de Estudos Espíritas:
Deus me guarde de ter a presunção de me crer o único capaz, ou mais capaz do que um outro, ou o único encarregado de cumprir os desígnios da Providência; não, este pensamento está longe de mim. Neste grande movimento renovador tenho a minha parte de atuação; não falo senão daquilo que me concerne; mas o que posso afirmar sem vã fanfarrice, é que, no que me incumbe, nem a coragem, nem a perseverança, me faltarão. Nisso jamais falhei, mas hoje que vejo o caminho se aclarar de uma maravilhosa claridade, sinto minhas forças crescerem, não tenho mais dúvida e graças às novas luzes que praza a Deus me dar, estou certo, e digo a todos os meus irmãos, com toda a certeza que jamais tive: coragem e perseverança, porque um esplendoroso sucesso coroará vossos esforços. (Publicado na Revista Espírita de 1865)

Hoje estamos há 155 anos deste marco histórico do espiritualismo mundial. Onde será que estávamos naquela época? O que temos aprendido nesse um século e meio? Uma coisa é certa: a partir de agora, espero que tenhamos a coragem e a perseverança exemplificadas por Kardec.